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Vozes da periferia: quando as histórias são contadas por quem as viveu

  • Foto do escritor: Mapa do Estágio
    Mapa do Estágio
  • 3 de dez. de 2017
  • 4 min de leitura

Atualizado: 6 de dez. de 2017

Veículos de comunidades oferecem cursos para formar colaboradores voluntários; sustento financeiro é incerto



Diferentes edições do Jornal O Cidadão, projeto da ONG Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm) / Crédito: Rio on Watch


Diante da abordagem hegemônica dos grandes veículos de comunicação, principalmente a respeito da periferia, o velho mito do “povo sem voz” é desmentido pelo cada vez mais pujante Jornalismo Comunitário. A ideia aqui é gerar informação de qualidade e comprometida com os fatos vividos pela população das favelas. Apostar em histórias contadas por aqueles que as viveram atrai cada vez mais gente, e um diferencial do jornalismo comunitário é abrir espaço para os moradores locais. Muitos jovens têm se somado a esses projetos, que buscam a construção de um novo olhar - mais humanizado e realista.


Na região metropolitana do Rio de Janeiro, segundo levantamento do Observatório de Favelas, há cerca de 118 veículos de Comunicação Comunitária. Para esta matéria foram consultados três dos principais veículos: a Agência de Notícias das Favelas (ANF) e os jornais Voz das Comunidades, do Conjunto de Favelas do Alemão, e Jornal O Cidadão, da Maré.


“As narrativas do cotidiano da favela são responsáveis por articular um discurso que desconstrói os discursos cristalizados na mídia sobre a favela. Discursos midiáticos que geralmente são recheados de estereótipos, preconceitos e discriminação com relação à população negra e favelada”, explica Renata Souza, que atuou, entre 2001 e 2012, no Jornal O Cidadão. Para a jornalista e publicitária, o veículo, que tem circulação de 10 mil exemplares por trimestre, foi uma escola. “Ali encarei todos os processos profissionais de uma redação. Comecei como fotógrafa, depois fui editora e terminei como jornalista responsável pelo veículo”, lembra.


“A sustentabilidade econômica dessas iniciativas é instável e dificilmente proporciona uma relação de trabalho segura”, alerta Renata. O Jornal O Cidadão é um projeto da ONG Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm) e se mantém através de repasses da Organização, o que dificulta a remuneração de seus profissionais. No momento, não há nenhum programa de estágio, apenas contribuições voluntárias e oferta de cursos de capacitação.


André Fernandes, fundador da ANF, destaca o crescimento que a imprensa comunitária vem experimentando: “O jornalismo comunitário vem tomando um papel importante, e a gente vê isso, inclusive, com matérias sobre comunicação comunitária dentro das faculdades. Muitas pessoas estão saindo da mídia tradicional e indo para a área do jornalismo comunitário, que está se aperfeiçoando cada vez mais.”


Diferentes edições do Jornal O Cidadão, projeto da ONG Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm) / Crédito: Rio on Watch


Movida pelo trabalho voluntário e pela ANF Produções, seu braço empresarial, a agência conta hoje com mais de 400 colaboradores que escrevem para o jornal impresso A Voz da Favela e para o portal online. Aos que não têm experiência na área, são oferecidos cursos de capacitação, que funcionam como porta de entrada no projeto, como, por exemplo, a Rede de Agentes Comunitários de Comunicação (RACC) e o Projeto de Extensão Agência Nacional de Favelas - Jornalismo Comunitário – ambos em parcerias com a UFRJ. Muitos alunos contribuem para o projeto como atividade complementar para sua formação e por isso não são remunerados.


Para quem tem interesse em trabalhar na área, André orienta: “Tem que apostar, acreditar, o jornalismo não pode ser algo que a gente só faça de maneira comercial para ganhar dinheiro, quem entra no jornalismo por aqui acho que bate a cara. Na realidade tudo aquilo que você faz acreditando, com empenho e bem feito, tem a grande possibilidade de dar certo”.


O Voz das Comunidades começou em 2005 como jornal impresso no Complexo do Alemão. Com o passar dos anos, o veículo criou seu portal impresso e hoje cobre dez comunidades do Rio. Com distribuição de 10 mil exemplares bimestrais, o jornal é financiado por anúncios, em sua maioria de marcas locais. Coca-Cola, Unilever, Tim e Oi são algumas dos anunciantes globais que já investiram ou investem no jornal.


Formado em jornalismo na Universidade Estácio de Sá, Herval Peixoto é jornalista voluntário no Voz das Comunidades — portal online e jornal impresso bimestral que cobre dez comunidades do Rio. Para ele, quem quer seguir a comunicação comunitária precisa ter muita paixão: “Tem que entender que muitas vezes você vai fazer mais por uma ideologia, por você acreditar naquilo, do que por um retorno financeiro”.


O futuro jornalista também precisa estar ciente das dificuldades que encontrará na área: “Você tem que conciliar a sua filosofia e a ideia de transformar o mundo e entender que a comunicação tem que ser plural, abranger toda as pessoas, mas também tem que ver o outro lado, sua própria sustentabilidade. E esse é o grande desafio do estudante de jornalismo: saber se colocar em causas que acredita e ao mesmo tempo saber lidar com o mercado”, disse Herval.


Até o momento, nenhum dos três veículos oferece programa de estágio remunerado. Com recursos escassos, a ajuda de custo com relação ao transporte e alimentação também teve de ser suspensa. Pelo mesmo motivo, são poucos os jornalistas remunerados, em sua maioria editores-chefes, diretores de redação e afins.


Mais de 400 colaboradores escrevem hoje para o jornal A Voz das Favelas, da ANF. / Crédito: Felipe Monteiro.


Julio Cesar Lyra, Vanessa Freitas e Yasmin Santos

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REPORTAGENS

@2017 site produzido para a disciplina de Redação Jornalística 2, ministrada pela profª. Fernanda da Escóssia (ECO/UFRJ)

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