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Quando o estágio se torna exploração

  • Foto do escritor: Mapa do Estágio
    Mapa do Estágio
  • 3 de dez. de 2017
  • 5 min de leitura

Atualizado: 8 de dez. de 2017

Sobrecarga de trabalho, assédio e falta de orientação são relatos comuns de estudantes dentro das redações

(Fonte: Reprodução)


“Fui percebendo aos poucos. Eu me sentia útil, mas. ao mesmo tempo em que queria produzir, eles me davam uma carga muito maior do que eu poderia aguentar.” O relato de Julia*, estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sobre a situação de exploração vivida em um estágio não representa um caso isolado. Entre fechamentos, sobrecarga de tarefas sem orientação e plantões, estudantes – aspirantes a jornalistas – revelam que a dedicação às redações passa, muitas vezes, das estipuladas quatro a seis horas.


Para o estagiário, é um dilema. Ele precisa do aprendizado prático e da oportunidade de vivenciar o dia a dia de um veículo, mas tudo isso às vezes é acompanhado por falta de condições apropriadas, cargas horárias abusivas e, por vezes, uma independência indesejada para quem está só começando.


“Fui explorada no meu estágio, com certeza. Acredito que não foi por má-fé dos profissionais efetivos da redação. A verdade é que a empresa estava numa situação em que o estagiário acabava sendo mão de obra mais barata”, conta Julia, ex-estagiária de um grande veículo de mídia carioca. Ela afirma que a empresa requer dos estagiários dedicação semelhante à exigida dos profissionais formados. “No caso do online, eu desempenhava as mesmas funções dos redatores contratados e no caso do impresso, as mesmas funções dos repórteres contratados”, diz.


Mas o aprendizado vale a pena?


Nem sempre as prolongadas horas de estágio têm um lado positivo. Para Carla* – que passou por duas experiências conturbadas – o aprendizado estava longe de ser o bastante. Pelo contrário, a experiência fez com que ela desistisse da profissão. “Esses estágios me fizeram desistir de jornalismo. Era o que eu queria. Realmente fiquei com trauma da área”, afirma.


Apesar de ser exceção, o caso da jovem representa o tamanho que o problema pode vir a ter. O estágio deveria ser um momento de aprendizado e descoberta, mas, ao colocar estudantes exercendo funções para as quais ainda não estão capacitados, empresas desviam a atividade de seu sentido original e a tornam um mecanismo de redução de gastos e precarização do serviço. Mesmo assim, a etapa é indispensável para quem quer se inserir no mercado de trabalho.


Um perfil realizado sobre a profissão pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), “Quem é o jornalista brasileiro?”, revelou que, dos jornalistas atuando no mercado, apenas 1 em cada 4 não havia sido estagiário. Faz parte do caminho trilhado por quem hoje ocupa as redações brasileiras.


Vida acadêmica prejudicada por conta da rotina de trabalho


Na procura por empresas mais reconhecidas, melhores oportunidades de bolsa-auxílio e benefícios, muitos estudantes se sujeitam a estágios longe de suas universidades e casas. A distância, somada a jornadas de trabalhos multifuncionais, horas extras e o desgaste psicológico que uma rotina pesada pode gerar, acabam atrapalhando o desempenho acadêmico.


“Como meu horário era de 10h às 16h, eu tinha de sair de casa às 8h para chegar no tempo certo. Tive que trocar todos os meus horários na faculdade, porque as minhas aulas eram no vespertino”, conta Carla, que abandonou o estágio para concluir o período e cuidar de sua saúde mental – abalada por conta da péssima relação com a chefe. “Depois de todas as horas de trabalho, se eu não fizesse uma das mil atividades, no final do dia, a chefe ainda me chamava no escritório e eu levava uma bronca por não ‘render’”, acrescenta.


Muitos estudantes submetidos a estágios exaustivos acabam escolhendo não fazer todas as matérias do semestre; outros as abandonam pelo caminho na tentativa de garantir vaga nas empresas que pagam uma bolsa atraente para estudantes de Jornalismo. “Às vezes eu trabalhava 12 horas por dia. Eu simplesmente não tinha ânimo de ir para as aulas. Hoje, estou colhendo os problemas que isso me causou, porque em duas matérias eu estou cravada no limite de faltas”, comenta Carla, que fazia o percurso Zona Oeste - Zona Sul todos os dias para trabalhar e estudar.


Direitos que devem ser garantidos


As denúncias de exploração relatadas por estagiários de veículos de comunicação, em sua maioria, infringem a Lei nº 11.788 (Lei do Estágio), que regulamenta questões como carga horária, benefícios e remuneração.


Diferentemente da prática de muitos veículos de comunicação, a Lei do Estágio não permite que estudantes cumpram mais de 6 horas diárias e 30 horas semanais de trabalho. Os rotineiros plantões aos fins de semana também fazem parte da polêmica. Segundo Julia, além de terem que trabalhar aos sábados e domingos, os estagiários não recebiam benefícios adicionais, já que essas horas não estavam no contrato. “Por saber que é irregular, a empresa não paga o vale-transporte, nem o vale-refeição dos dias de plantão. Fora isso, nessas semanas, a gente estourava a carga horária permitida pela Lei do Estagiário. O teto são 30 horas, mas em uma semana de plantão, trabalhávamos 42.”


Mas nem sempre ter acesso a essas informações garante que os estagiários não tenham seus direitos violados. O discurso de enxugamento das redações é o principal argumento para colocar os futuros jornalistas diante de tarefas de profissionais, sem supervisão adequada, ou submeter os estagiários a expedientes similares ao de funcionários contratados. Menos repórteres capacitados, mais estudantes sem orientação adequada. A Legislação de Estágio, no Capítulo I - Artigo 1º, diz que: “a atividade de estágio é ato educativo escolar supervisionado, que visa à preparação para o trabalho produtivo dos educandos”. Mas essa não foi a experiência de Julia, que em cinco meses de estágio não teve nenhum preparo: “Eu não recebia nenhum feedback para saber no que eu estava errando e o que eu poderia fazer para melhorar. Em nenhum momento eu me senti orientada”.


Estágio obrigatório causa polêmica

Julia e Carla, nomes fictícios de duas jovens que não preferiram não se identificar, fazem parte de um grande universo de estudantes que já passaram por situações de abuso que incluem assédio psicológico, subremuneração e excesso de horas trabalhadas. Atualmente, o estágio não obrigatório em jornalismo faz com que as empresas ainda paguem bolsas-auxílio e benefício para os jovens, mas a situação pode mudar. Na UFRJ, por exemplo, ao se adequar às novas diretrizes do Ministério da Educação para o curso de Jornalismo, o estágio poderá se tornar obrigatório (É ISSO, CERTO? ESTAVA CONFUSO AQUI), e os alunos precisarão passar por alguma experiência de emprego para se formar. Nesse cenário, as empresas de comunicação podem sucatear o já precário mercado de estagiários.


Páginas no Facebook como ‘Vagas Arrombadas’ mostram como a exploração pode vir escondida - ou escancarada - em um anúncio de estágio, mas é dentro das redações e dos locais de trabalho onde a situação se torna grave. Carla abandonou o jornalismo e seguiu para outra profissão, mas Julia aborda a contradição entre estágio e exploração de outra maneira: “O lugar onde eu fui mais explorada foi onde eu mais aprendi. Não quero romantizar a exploração, mas embora seja errado tratar um estagiário como funcionário, mas foi assim que eu aprendi o máximo possível da profissão. Eu só gostaria de saber alguns detalhes antes de ter sido contratada por essas empresas, mas eu aceitaria mesmo assim”.


Ana Beatriz Rogéria, Mariana Fontes e Manuela Carpenter

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@2017 site produzido para a disciplina de Redação Jornalística 2, ministrada pela profª. Fernanda da Escóssia (ECO/UFRJ)

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